Elas não pulam de prédios, vêem através de paredes
ou voam de uniforme, mas têm super poderes. Exímias donas de casa
durante o dia e assíduas frequentadoras de cursinhos preparatórios à
noite, as mães concurseiras compõem hoje uma nova modalidade de
super-heróis, afinal só uma verdadeira heroína consegue ao mesmo tempo
ler uma apostila de 400 páginas de direito administrativo e
constitucional e pensar no prato favorito do filho para o almoço do
outro dia.
Mas nada é tão fácil como parece. No caminho para a
aprovação e estabilidade profissional, muitos vilões aparecem para
desviá-las de seu objetivo; como o tempo, por exemplo, ou a falta dele.
Nessa luta diária para conciliar estudos e família e para satisfazer os
dois lados com qualidade, o que motiva toda supermãe é a certeza de que
vale a pena o sacrifício em nome do futuro dos filhos. Conheça abaixo as
histórias de algumas delas.
Super Marcela
Quatro meses
antes de saber que seria mãe, Marcela Muratori, 31, largou o trabalho
como administradora na iniciativa privada e decidiu virar concurseira.
Com a notícia do bebê, ela resolveu parar os estudos e recomeçá-los
apenas quando o pequeno Arthur completasse um ano de vida. Apesar do
começo atribulado, hoje a estudante consegue administrar bem sua própria
rotina. “Acordo todos os dias às 6h, levo meu filho às 7h30 para a
escola de tempo integral, volto, dou uma arrumada na casa, e tiro o
resto da manhã e a tarde para estudar. Quando o Arthur chega às 18h fico
com ele até a hora de dormir e volto a estudar até meia noite”. Nessa
maratona, ela só tem folga nos finais de semana, quando se dedica
exclusivamente ao filho; e mesmo muito disciplinada, ela admite que
nenhuma rotina está livre de alterações quando se trata dos pequenos.
“Sempre penso no Arthur em primeiro lugar, ele quem me dá convicção e
força para continuar estudando, mas nessa semana mesmo ele teve começo
de pneumonia e não pude estudar muito”, relata.
Super Adelina
Mesmo
com apenas uma filha e já crescida - Bruna tem hoje 20 anos -, Adelina
de Andrade (foto) também encontra dificuldades para conciliar o papel da
família e dos estudos em sua vida. Como mora com a mãe, a casa quase
sempre fica lotada de netos, e o pior, Adelina descobriu há dois anos
que possui Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH),
que não a deixa se concentrar nos estudos sem que haja silêncio
absoluto. “Estudar com a responsabilidade de passar não é fácil, então a
colaboração de todos é fundamental. Mesmo com a lei que criei aqui em
casa, de que a prioridade é sempre para quem está estudando, o melhor
horário que encontrei é de madrugada - fico acordada até às 2h da
manhã”. Em meio a todas as provações, a super mãe Adelina não se deixa
abater, e com todo o conhecimento adquirido na vida, ela deixa um
conselho valioso aos filhos: “Estudem quando a mãe mandar, porque assim a
vida ficará mais fácil”.
Super Camila
Enquanto Camila
Lopes, 28, estuda, o bebê de quatro anos assiste televisão ou brinca.
Geralmente é interrompida. “Ele fica me chamando e eu tenho que largar
os livros. Às vezes até desisto e fico com ele de uma vez”. Quando
arranja um horário livre, entre as brechas dos compromissos diários, ela
aproveita para colocar o estudo em dia. De acordo com a concurseira,
nem sempre o tempo é bem aproveitado. “Quando chega a hora do meu filho
para dormir é um daqueles momentos em que há paz para estudar. Mas aí já
fiz tanta coisa durante o dia que fico muito cansada”.
Para ela,
o esforço de passar em um concurso é um investimento que demanda
sacrifícios – e vale a pena. Além da vaga, Camila pretende conquistar o
gosto do filho pelos livros. “Sempre tento levar a lição também. Eu
digo: ‘filho, a mamãe vai estudar agora’ e acho que isso acaba
incentivando”, destaca.
Super Ana Claudia
A estudante Ana
Claudia Graim, 40, se dedica aos concursos há um ano. Metade desse
período foi utilizado para superar a saída do trabalho. Em processo de
divórcio e mãe de três crianças, ela precisou pensar bem na decisão de
se dedicar exclusivamente aos estudos. “Trabalho desde a faculdade. Foi
um processo difícil, em que eu ficava muito deprimida por achar que
estava fazendo algo errado e por não ter mais o dinheiro que eu tinha
antes”, recorda.
A renda familiar diminuiu e o lazer ficou de
lado. Ela e os filhos passaram a viver da pensão que o marido oferece
mensalmente. Os filhos, segundo a estudante, foram compreensivos e
solidários. “A gente não sai mais da cidade, não vai a praia, mas eles
entendem”, conta. “Às vezes ficam estressados e ansiosos para que eu
passe logo, mas disse a eles que estamos em uma fase de plantar para
colher depois: a parte da plantação é o maior trabalho, o grande
sacrifício, mas depois ficamos bem”.
Super Roberta
A
professora Roberta Guedes, 40, dá aula em um cursinho preparatório para
concursos e em duas faculdades. Além disso, também é consultora
educacional em uma delas. Trabalha das 8h às 11h45, das 14h às 17h45 e
das 19h às 23h. Logo após a separação do marido, quando a filha tinha 8
anos e o filho, 6, Roberta percebeu que eles reclamavam muito sobre a
sua falta, e se não tinha mais ninguém para olhá-los, ela levava os
pequenos para as aulas. “Como professora, vejo que isso é muito comum
nas salas de aula. Não é o melhor para a criança, já que ele não está
acostumado com o ambiente, nem para a mulher, por se sentir
constrangida”, opina. Mas a professora não reclama da correria, acredita
que é possível viver bem com sua própria realidade, e deixa uma
mensagem para as mães que como ela se dividem em muitas para dar conta
do recado. “Não é a quantidade do tempo que vai dizer se a mãe é boa ou
não, mas a qualidade. Não importa se o tempo que ela tem é curto, o que
importa é que seja um tempo bem aproveitado”.
Dicas de especialista
De
acordo com a psicóloga Stela Lobato, vida de mãe concurseira é
realmente complicada, mas o segredo vai além de saber aproveitar os
poucos momentos de paz que se apresentam, é preciso também provocá-los
dentro da rotina diária. “Muitas vezes, quando ao mesmo tempo estudamos e
olhamos as crianças, corremos o grande risco de não conseguir fazer nem
uma coisa nem outra. Por isso, é importante que a mãe reserve um tempo
para os estudos fora de casa. Seu desempenho, tanto nos estudos quanto
com a família, pode melhorar muito com idas periódicas a lugares calmos e
propícios à concentração, como as bibliotecas; enquanto isso, os filhos
ficam sob a supervisão da babá ou de pessoas da família”, recomenda.
Mas
se você é mãe solteira e não tem ninguém disponível para ficar de olho
nas crianças, a dica é a comunicação direta entre mãe e filho. “A partir
do momento em que a mãe decide estudar para concursos tem que haver uma
conversa com as crianças. Elas precisam entender porque não receberão
mais tanta atenção como antes. Isso inclusive evita que elas interpretem
a situação de forma errada e se culpem por não serem mais merecedoras
dos mimos da mãe - tal insegurança pode gerar ainda mais interrupções
nos estudos, pois provavelmente a criança se empenharia mais para chamar
a atenção”, alerta.
Para o professor de cursos preparatórios
para concursos e colunista do CorreioWeb, Rogério Neiva, o momento de
estudo tem que ser especial, pois não há aprendizado sem foco. “A
concentração envolve uma lógica seletiva de estímulos, ao desconsiderar
todos os estímulos alheios à matéria que está sendo estudada”,
argumenta. Se a mãe precisa competir a atenção dada ao estudo com a do
filho, o aprendizado ficará prejudicado.
Porém, Rogério também
considera essencial estar com o filho e oferecer todo o carinho que ele
precisa. Por esse motivo, é importante reavaliar alguns pontos. “O ideal
é que se separe muito bem os momentos em que a mãe estará dando atenção
ao filho, dos momentos dedicados ao estudo”. Segundo ele, esse “ideal”
faz com que nem o estudo fique prejudicado e nem o filho tenha sua
atenção em segundo plano.